Câmara aprova projeto que cria cadastro nacional de crianças e famílias e vai facilitar a adoção no Brasil
Ronaldo Soares
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que representa um avanço em relação aos direitos da infância no Brasil. O texto, de autoria do deputado João Matos (PMDB-SC), cria mecanismos que agilizam o processo de adoção de crianças e adolescentes. O principal é a organização de um cadastro nacional com os dados de crianças disponíveis para adoção e de pessoas interessadas em recebê-las. É difícil acreditar, mas, em plena era da informática, a esmagadora maioria dos cadastros existentes no país restringe-se a uma comarca. No máximo, existem cadastros estaduais. A lei também unifica nacionalmente as exigências para os candidatos a pais adotantes, pondo fim a uma babel burocrática. O projeto aperfeiçoa e organiza normas já existentes sobre esse tema, que estavam espalhadas em dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil. Elas passam a ficar agrupadas na Lei Nacional da Adoção, que fará parte do ECA. O projeto ainda passará pelo Senado antes de ser enviado a sanção presidencial.
Segundo levantamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), existem cerca de 80 000 crianças abrigadas no Brasil. Desse total, apenas 10% estão disponíveis para adoção. Os outros 90% vivem no limbo e correm o risco de chegar à maioridade sem ter conseguido encontrar um lar. O texto votado pela Câmara tem o grande mérito de limitar o tempo de permanência em abrigo, uma situação nociva para o desenvolvimento de qualquer criança e em total desacordo com um de seus direitos fundamentais – o de ser criada por uma família, seja a biológica, seja uma substituta. Esse prazo passará a ser de dois anos, tempo suficiente para que ela seja acolhida por algum parente ou encaminhada para adoção, num processo acompanhado pelo Juizado da Infância. Se isso não ocorrer, o juiz terá de explicar por que a criança continua abrigada.
"Trata-se de um avanço fenomenal. Hoje, temos de justificar a saída da criança do abrigo. Agora teremos de justificar sua permanência na unidade", diz o juiz Francisco Oliveira Neto, coordenador da campanha Mude um Destino, da AMB. Outra mudança importante é que a decretação da perda do poder dos pais biológicos sobre a criança terá de ser feita em no máximo 120 dias, a partir do momento em que, constatada a impossibilidade de reintegrá-la à sua família original, se abre o processo na Justiça. Atualmente esse prazo não existe, o que na prática impede que boa parte das crianças encontre uma família. É uma realidade cruel: à medida que crescem, vai ficando mais difícil encontrar quem as queira. Não por acaso, a maioria da população dos abrigos tem mais de 7 anos de idade, e a espera dos candidatos a pais adotantes é de quase 4 anos.
A lei também aumenta as restrições à adoção por estrangeiros. No caso de crianças aptas a ser adotadas por pessoas de outros países, a lei dará prioridade a brasileiros residentes no exterior. É uma medida que divide opiniões, porque casais estrangeiros costumam aceitar crianças que normalmente estão fora do perfil preferido pelos brasileiros, como as pretas e pardas – que constituem a maioria nos abrigos. Mas a restrição tem o apoio da Convenção de Haia, que regula os mecanismos de adoção internacional. O holandês Hans van Loon, secretário-geral da entidade, disse a VEJA que realmente a prioridade deve ser dada a famílias de mesma nacionalidade que a criança. Ele teme que a onda de adoções internacionais por estrelas da música e do cinema estimule uma prática que só deve ser usada em último caso, quando se esgotaram todas as possibilidades de reintegrar a criança a sua família ou entregá-la para adoção por pessoas do mesmo país. O casal Brad Pitt e Angelina Jolie, por exemplo, adotou um filho no Camboja, outro na Etiópia e um terceiro no Vietnã. Já a cantora Madonna optou por uma criança no Malauí, num episódio polêmico. "O problema, em casos assim, é que as celebridades acabam passando também por cima das leis", diz Van Loon.
Embora constitua um avanço, o projeto não terá o efeito pensado pelos legisladores se a rede de abrigos e juizados de infância não for dotada de estrutura material e de pessoal adequada. Um exemplo das carências nessa área é a 1ª Vara Regional da Infância, da Juventude e do Idoso, no Rio de Janeiro, que abrange uma área com 1,5 milhão de pessoas, espalhadas por 33 bairros. A juíza titular do órgão, Mônica Labuto, só dispõe de dois carros, um psicólogo, quatro assistentes sociais e dois oficiais de Justiça para atender esse contingente. "Já fiquei uma semana sem conseguir realizar audiências porque um oficial de Justiça estava de férias e o outro ficou doente", diz. "É preciso que a lei venha acompanhada de estrutura para os abrigos e os juizados. Caso contrário, será mais uma que não vai pegar no Brasil", avalia.
Segundo levantamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), existem cerca de 80 000 crianças abrigadas no Brasil. Desse total, apenas 10% estão disponíveis para adoção. Os outros 90% vivem no limbo e correm o risco de chegar à maioridade sem ter conseguido encontrar um lar. O texto votado pela Câmara tem o grande mérito de limitar o tempo de permanência em abrigo, uma situação nociva para o desenvolvimento de qualquer criança e em total desacordo com um de seus direitos fundamentais – o de ser criada por uma família, seja a biológica, seja uma substituta. Esse prazo passará a ser de dois anos, tempo suficiente para que ela seja acolhida por algum parente ou encaminhada para adoção, num processo acompanhado pelo Juizado da Infância. Se isso não ocorrer, o juiz terá de explicar por que a criança continua abrigada.
"Trata-se de um avanço fenomenal. Hoje, temos de justificar a saída da criança do abrigo. Agora teremos de justificar sua permanência na unidade", diz o juiz Francisco Oliveira Neto, coordenador da campanha Mude um Destino, da AMB. Outra mudança importante é que a decretação da perda do poder dos pais biológicos sobre a criança terá de ser feita em no máximo 120 dias, a partir do momento em que, constatada a impossibilidade de reintegrá-la à sua família original, se abre o processo na Justiça. Atualmente esse prazo não existe, o que na prática impede que boa parte das crianças encontre uma família. É uma realidade cruel: à medida que crescem, vai ficando mais difícil encontrar quem as queira. Não por acaso, a maioria da população dos abrigos tem mais de 7 anos de idade, e a espera dos candidatos a pais adotantes é de quase 4 anos.
A lei também aumenta as restrições à adoção por estrangeiros. No caso de crianças aptas a ser adotadas por pessoas de outros países, a lei dará prioridade a brasileiros residentes no exterior. É uma medida que divide opiniões, porque casais estrangeiros costumam aceitar crianças que normalmente estão fora do perfil preferido pelos brasileiros, como as pretas e pardas – que constituem a maioria nos abrigos. Mas a restrição tem o apoio da Convenção de Haia, que regula os mecanismos de adoção internacional. O holandês Hans van Loon, secretário-geral da entidade, disse a VEJA que realmente a prioridade deve ser dada a famílias de mesma nacionalidade que a criança. Ele teme que a onda de adoções internacionais por estrelas da música e do cinema estimule uma prática que só deve ser usada em último caso, quando se esgotaram todas as possibilidades de reintegrar a criança a sua família ou entregá-la para adoção por pessoas do mesmo país. O casal Brad Pitt e Angelina Jolie, por exemplo, adotou um filho no Camboja, outro na Etiópia e um terceiro no Vietnã. Já a cantora Madonna optou por uma criança no Malauí, num episódio polêmico. "O problema, em casos assim, é que as celebridades acabam passando também por cima das leis", diz Van Loon.
Embora constitua um avanço, o projeto não terá o efeito pensado pelos legisladores se a rede de abrigos e juizados de infância não for dotada de estrutura material e de pessoal adequada. Um exemplo das carências nessa área é a 1ª Vara Regional da Infância, da Juventude e do Idoso, no Rio de Janeiro, que abrange uma área com 1,5 milhão de pessoas, espalhadas por 33 bairros. A juíza titular do órgão, Mônica Labuto, só dispõe de dois carros, um psicólogo, quatro assistentes sociais e dois oficiais de Justiça para atender esse contingente. "Já fiquei uma semana sem conseguir realizar audiências porque um oficial de Justiça estava de férias e o outro ficou doente", diz. "É preciso que a lei venha acompanhada de estrutura para os abrigos e os juizados. Caso contrário, será mais uma que não vai pegar no Brasil", avalia.
Fonte: http://veja.abril.com.br 27/08/2008